O que devemos pensar do «filho mau», que nos desafia a todos à volta da mesa do Seder de Pessah (Páscoa judaica) com a questão “O que esta práctica significa para vós?” Primeiro podem não se aperceber que o «filho mau» está a citar a Torah - Êxodo 12:26, para ser preciso. No seu contexto original (a primeira celebração do Pessah, na véspera do Êxodo do Egipto), a questão foi emoldurada como aquela que será colocada por futuras gerações, e recebe uma resposta frontal, uma explicação para o significado de Pessah.
A Haggadah, no entanto, vê a questão numa luz menos positiva, obviamente expressa com a catalogação do filho como sendo “mau”. Indica que perguntar o que Pessah significa para “vós” resulta da hostilidade do filho para com a comunidade. Somos instruídos para sermos amargos na nossa resposta ao filho e citar as Escrituras de volta para ele: “Foi por causa do que D’us fez para MIM quando EU fui libertado do Egipto” (Ex. 13:8) “Estivesses lá estado tu, «filho mau», terias sido deixado para trás.” Dois livros recentes usam a questão do «filho mau» como ponto de partida para ligações com a alienação de muitos Judeus contemporâneos com a sua comunidade.
David Mamet, no seu livro The Wicked Son: Anti-Semitism, Self-Hatred and the Jews (parte de uma fabulosa série da editora NextBook), começa com a premissa que “o mundo odeia Judeus” e assim sendo, todos os Judeus têm de escolher um dos lados: “Dentro ou fora”. Ele escreve que “a maldade do «filho mau»” significa que “ele não defende aqueles que o defenderiam”
Ele sente-se livre para tomar prazer da sua herança intelectual, o amor Judaico pelo estudo, e reverência pela realização; ele toma prazer, consciente ou não, da herança milenar da Lei Judaica e seus valores; ele toma prazer da sua vida, a qual lhe teria sido negada e a seus ancestrais na Europa que sofreram para partir, ele goza do direito de protecção da comunidade que ele nega e, apesar de tudo, papagueia “Os meus pais eram Judeus, mas eu não me considero Judeu.” (pág. 128-9)
No seu livro, Mamet procura direccionar uma chamada de atenção a este tipo de Judeus, dizendo a todos os «filhos maus» para deixarem de culpar a Comunidade Judaica pelas suas falhas e de terem orgulho na sua herança como descendentes de “reis e rainhas, uma nação sagrada e um reino de sacerdotes.” (pág. 180)
Uma resposta completamente diferente é oferecida por Mitchell Silver em Respecting the Wicked Child: A Philosophy of Secular Jewish Identity and Education. Ele observa que o “pecado” do «filho mau» é a expressão de alienação da tradição enquanto os outros filhos questionam como se celebra o Seder apropriadamente ou o seu significado. Notando que para Judeus liberais ou seculares, não é somente um desafio encontrar razões para manter a identidade Judaica.
Também é difícil superar razões contra manter a identidade Judaica. Os mais fortes argumentos para a assimilação advêm do Iluminismo liberal de uma humanidade comum universal. Nesta visão, tudo o que é significativamente humano é, ou procura ser, universal…
Silver toma uma visão muito mais positiva do «filho mau» que Mamet, escrevendo que “entre os Judeus contemporâneos há muitos «filhos maus», e merecem respostas que equivalem a mais que uma demissão tradicional desdenhosa.” (pág. 1)
O livro de Silver tenta fornecer uma base filosófica para uma identidade Judaica os valores liberais e seculares. A sua premissa é que “a questão do «filho mau» tem uma certa prioridade lógica e moral” sobre o «filho sábio» que consiste em compreender os detalhes da observância do Seder. Uma vez que o «filho mau» fica satisfeito com um entendimento mais geral “do que se trata, o desejo pelos detalhes seguirão. A transição de malvadez a sabedoria, da separação a comunhão, é natural” (pág. 189).
Pessoalmente gostaria de escolher um meio-termo entre a visão condenatória de Mamet e a abordagem celebrativa de Silver em relação ao «filho mau». Por um lado, a questão colocada por este é legítima. Afinal de contas, no Seder somos instruídos a convidar todos que têm fome a se juntarem a nós, e o «filho mau» poderá ser um convidado a quem tudo isto é estranho e – quem sabe – talvez nem seja Judeu? Pelo menos o «filho mau» presta atenção suficiente para colocar a questão! Por outro lado, quero levar a Haggadah a sério em mencionar o filho como «mau».
A resposta da Haggadah só faz sentido se ouvirmos na questão não somente a voz do Judeu alienado que tenta encontrar um lugar na comunidade, mas também a voz da apatia, da hostilidade, de um desafio para a legitimização do Seder de Pessah e para a comunidade de todos os presentes: “Prova-me que isto vale a pena ser feito, que devo-me considerar um de vós.” Ainda assim, apesar de a questão do «filho mau» ser confrontadora, prefiro tê-lo à mesa – desconfortavelmente irritado, talvez – em vez de não o ter presente de todo.
Gostaria de agradecer ao «filho mau» por se juntar a nós para o Seder, apesar deste ter sentimentos de alienação e fúria. Sugiro que – e aqui, penso que a Haggadah concorda comigo – todos os quatro filhos devem estar presentes na mesa. Devemos estar felizes quando o «filho sábio» pretende estar nesta mesma mesa em vez de preferir um Seder composto somente de outros sábios, mas estando disposto a sofrer com as questão do «filho simples» (provavelmente com muitos suspiros saturados). O «filho simples» também deve achar as questões meticulosas do «filho sábio» entediantes, enquanto espera impacientemente durante a explicação detalhada das leis do afikoman.
Penso que não devemos ser lestos a dispensar o «filho mau», assim como a ignorar o silêncio do «filho que-ainda-nem-sabe-perguntar», nem sequer ficarmos frustrados com as intermináveis questões do «filho sábio» e do «filho simples». Todas as vozes devem ser ouvidas. Prefiro um Seder onde a questão do “mau” é colocada, em vez de deixá-lo ir calado, recusando-me sequer a ouvi-la...
Yosef Haim Yerushalmi, 1932-2009
Um erudito inovador e conhecedor amplo da história judaica cuja meditação na tensão entre a memória colectiva de um povo e o registo efectivo mais prosaico do passado influenciou uma geração de pensadores, faleceu esta Terça-feira em Manhattan.
Um escritor elegante e hipnótico narrador, Yerushalmi ganhou a sua reputação como um dos maiores historiadores judeus da sua geração por canalizar assuntos eclécticos, como a história do judeus expulsos de Espanha e Portugal, o messianismo, a história intelectual do Judaísmo moderno alemão e o relacionamento de Freud com a sua religião. Em 1982, Yerushalmi publicou talvez o seu mais influente trabalho, "Zakhor: Jewish History and Jewish Memory" um fino volume cujo título perfura o imperativo hebraico: Lembrar!
Com cerca de 100 páginas, "Zakhor" era um exame do conflito entre as histórias colectivas que revigoravam o Judaísmo como uma cultura e a crónica verificável da própria história. O Crítico Harold Bloom, revisando-o no “The New York Review of Books”, previu que o livro talvez «se una ao cânone de Literatura de Sabedoria Judaica». Muitos académicos discutiriam se de facto se uniu a esse cânone, ainda que interpretassem sua tese de forma diferente.
Yerushalmi estava atento, por exemplo, ao facto dos judeus durante a leitura do livro da Páscoa Judaica, continuassem a imaginar-se presentes no Êxodo do Egipto, mesmo com historiadores interrogando-se se podia ter havido 10 pragas e o Mar ter sido aberto. Se tais histórias falham em perder o seu poder de inspiração, Yerushalmi pareceu perguntar: O que esse diz sobre o poder de história?
Leon Wieseltier, o redactor literário de “The New Republic” e antigo aluno de Yerushalmi em Harvard, disse que este tinha sido rasgado entre o poder de memória e a complexidade da perspectiva histórica e havia lutado por reconciliar os dois ramos durante grande parte da sua vida, embora talvez não conclusivamente.
«História envolve desapego crítico; memória envolve um imediatismo profundo," (…) O Dr. Yerushalmi, abrigou uma profunda incerteza e um certo grau de pessimismo sobre a capacidade do estudo nutrir uma cultura viva.»
Harold Bloom, na sua crítica, escreveu:
«O Dr. Yerushalmi preocupa-se que na idade moderna a Escritura tenha sido substituída por História conforme arbítrio validado das ideologias judaicas e que essa substituição cedesse caos.»
Yosef Haim Yerushalmi nasceu no Bronx em 20 de Maio de 1932, no seio de uma família falante de Yidish criada em Pinsk e Odessa e que imigrou para os Estados Unidos. Seu pai, um professor de Hebraico, encheu-o com o amor aos livros hebraicos e o mandou-o para a Salanter Yeshiva no Bronx Oriental.
Recebeu o bacharelado da Yeshiva University em 1953 e o doutoramento da Columbia University em 1966, escrevendo a sua dissertação sobre Isaac Cardoso, um Marrano médico do sec. XVII. Trabalhou durante um ano como Rabino na Sinagoga Beth Emeth em Larchmont, Nova Iorque. Mas preferiu uma vida de estudo, começando fora como instrutor em Rutgers e mais tarde tornando-se professor de Hebraico e História Judaica em Harvard.
Em 1980 ficou fascinado por Columbia através de Salo Baro, o enorme académico judeu que se tinha aposentado em 1963 mas que ainda lançava volumes de História Judaica. Para além de mais tarde ficar com a cadeira de Salo Baron, Yerushalmi também dirigiu o “Columbia Center for Israel and Jewish Studies” durante 28 anos. Muitos dos seus estudantes tornaram-se eminentes historiadores do Judaísmo.
Jonathan Sarna, um professor de estudos Judaicos em Brandeis, disse que o especial talento do Yerushalmi era «produzir livros que muitas pessoas poderiam ler». Citou "Haggadah and History" (1975), que mostrou como a História Judaica podia ser estudada entendendo diferentes edições do livro da Páscoa Judaica através do tempo. De entre outros trabalhos admiráveis a reter “From Spanish Court to Italian Ghetto”, um estudo de 1971 sobre os Judeus ibéricos, e “Freud’s Moses: Judaism Terminable and Interminable” (1991).
De acordo com Yerushalmi, Freud sugeriu em "Moses and Monotheism" que havia uma quase genética transmissão de memórias inconscientes. Apesar da falta de qualquer evidência científica para tal teoria, Yerushalmi discutiu que explicou a Freud «o poderoso sentimento que, para melhor ou pior, realmente não se pode deixar de ser Judeu» ainda que, como Freud fez, rejeitássemos a própria religião.
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A partir do artigo original (em inglês) do 'New York Times'
Claude Lévi-Strauss, 1908-2009
«O sábio não é o homem que fornece as verdadeiras respostas; é quem faz as verdadeiras perguntas»
Mário Mota Marques, 1942-2009
Director dos Assuntos Externos da Comunidade Bahá'í de Portugal e seu Porta-voz, esteve permanentemente envolvido em iniciativas de carácter inter-religioso e conquistou a amizade e o respeito de todos. Muito da boa relação existente entre as diversas religiões em Portugal, a ele se deve. Mário Mota Marques batalhava pela igualdade das religiões, fomentava diálogos, punha sempre os outros em primeiro lugar. Todos sentirão a sua falta...
Irving Kristol, 1920-2009
«A democracia não garante igualdade de condições - só garante igualdade de oportunidades»